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Pelo menos oito funcionários públicos federais estão sendo procurados pela Justiça há vários meses, mas ainda permanecem em liberdade. Essa informação é resultado de um levantamento exclusivo realizado pelo g1, baseado em dados de 149 mil mandados de prisão. Para especialistas, a presença de procurados no setor público indica que o Brasil enfrenta deficiências na administração das informações.
A pesquisa analisou perto de 50% dos 326 mil mandados de prisão registrados no país. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pelos dados sobre todos os mandados, informou que não poderia fornecer detalhes referentes aos 180 mil mandados que estavam ausentes (clique aqui para verificar como a análise foi conduzida).
Os dados revelam que estão sendo procurados:
Um vigilante da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que foi condenado por estupro de vulnerável. Ele é buscado desde novembro para cumprir uma pena de 12 anos de reclusão.
Um assistente de administração do Instituto Federal de Rondônia (IFRO), que está sendo procurado desde novembro para cumprir uma pena de sete meses em regime semiaberto em virtude de embriaguez ao volante.
Um agente ambiental do Parque Nacional do Cabo Orange, no Amapá, que é procurado desde maio para cumprir um mês de prisão em semiaberto por ameaçar sua ex-companheira.
Um auxiliar operacional da Secretaria de Gestão Estratégica do Governo de Roraima, que é alvo de um mandado de prisão preventiva desde setembro, no contexto de uma investigação sobre estupro de vulnerável. Sua situação ainda não foi julgada.
Mais quatro servidores — um professor substituto, um médico, um agente especial e um analista — são alvo de mandados de prisão devido ao não pagamento de pensão alimentícia, resultando em uma prisão civil (não criminal), que é cancelada assim que a dívida é quitada.
Um agente de portaria de uma escola no Amapá, que desde 2019 era procurado em uma investigação sobre furto qualificado. Na quarta-feira (12), após a reportagem entrar em contato com a Polícia Civil do estado, o servidor foi detido. Sua situação também permanece sem julgamento.
Para especialistas, a situação reflete ‘amadorismo’ e ‘falta de integração’ na administração pública
Segundo Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a dificuldade para executar os mandados de prisão contra servidores públicos expõe falhas na gestão das informações por parte do Poder Público brasileiro.
“Esta é uma demonstração da complicação e da falta de profissionalismo com que lidamos [com situações de indivíduos procurados pela Justiça]. Estamos em uma era digital, discutindo inteligência artificial, enquanto o governo brasileiro ainda opera de forma analógica em sua administração de dados”, declara. Há um descompasso evidente entre a tecnologia disponível e as opções de gestão de informações atualmente, e o que realmente oferecemos ao cidadão. Não é aceitável imaginar que uma pessoa que está sendo procurada pela Justiça esteja ocupando um cargo em uma repartição pública.”
O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Rodolfo Laterza, ressalta que “é absolutamente surpreendente que esses indivíduos continuem empregados, considerando que têm um endereço fixo e poderiam ser localizados, através do cumprimento da ordem judicial.”
De acordo com Laterza, a falha resulta de dificuldades na comunicação entre as instituições.
“A coordenação das plataformas de bancos de dados entre o Poder Executivo, que é responsável pelas polícias, e o Judiciário, que cuida dos mandados de prisão, enfrenta sérios problemas de implementação. Para ilustrar, muitas vezes as intimações policiais chegam atrasadas, pois precisam passar por diversos departamentos antes de alcançar o destinatário correto. Em algumas situações, o Judiciário acaba por encaminhar informações para a instituição errada.”
O BNMP é um sistema que centraliza as ordens de prisão em todo o país, acessível a qualquer cidadão. A responsabilidade de inserir e atualizar os dados é dos tribunais, que devem incluir ou eliminar mandados conforme estes são revogados ou executados.
Conforme o CNJ, o Ministério da Justiça é responsável por transmitir as informações do BNMP a todos os órgãos de segurança pública do país.
Em resposta a um pedido de informação, o Ministério da Justiça e Segurança Pública comunicou que não se manifestaria sobre a situação.
Conheça os servidores procurados e os crimes cometidos:
Vigilante universitário em Mato Grosso condenado por estupro de vulnerável
Carlos Jose de Figueiredo, vigilante da Secretaria de Infraestrutura do Campus da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) desde 2005, foi condenado por abusar de duas vítimas em repetidas ocasiões.
Ele está sob procura desde novembro de 2024 para cumprir uma sentença de 12 anos em regime fechado.
A UFMT não retornou com uma resposta. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso e a vara responsável pelo caso informaram que os detalhes do processo estão sob sigilo.
Carlos Figueiredo, funcionário da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) sob mandado de prisão — Foto: Reprodução/redes sociais
Assistente no governo de Roraima está sendo investigado por abuso sexual de vulnerável
Ivanildo Costa de Souza é um servidor federal desde 1984, e desde 1991, ele exerce a função de assistente operacional de serviços diversos na Secretaria de Gestão Estratégica e Administração do Estado de Roraima, localizado em Boa Vista.
Em setembro de 2024, o Tribunal de Justiça de Roraima emitiu um mandado de prisão preventiva contra Souza, em um inquérito onde ele é suspeito de abuso sexual de vulnerável. Conforme o mandado, o objetivo é “prevenir a prática de novos crimes”.
Desde esse acontecimento, ele não foi mais visto em seu local de trabalho, de acordo com colegas e a própria instituição. Um processo administrativo disciplinar foi iniciado para investigar a situação.
O Tribunal de Justiça de Roraima e a vara criminal informaram que o mandado continua ativo.
Funcionário em escola do Amapá é detido após g1 questionar a polícia
Francineive Caldas da Silva é servidor federal e, desde dezembro de 2023, trabalha como agente de portaria em uma escola municipal de Calçoene (AP). Desde 2019, ele está sob um mandado de prisão preventiva por supostamente estar envolvido em um furto qualificado.
De acordo com o processo, Silva e mais três homens teriam levado oito animais de grande porte de uma fazenda na localidade de Cutias (AP), que fica a 354 km de Calçoene. Como o caso ainda não foi julgado, ele não foi nem condenado nem absolvido, e Silva acabou sendo preso.
A Prefeitura de Calçoene declarou que não tinha ciência da condenação. O Ministério da Gestão e Inovação, que atualmente gere o contrato do servidor, destacou que as certidões criminais de Silva estão limpas, sem registro de crimes, e que iria buscar informações sobre o processo que culminou em sua prisão.
A certidão negativa de antecedentes criminais normalmente considera apenas condenações definitivas, sem levar em conta investigações pendentes, o que não se aplica a Silva neste caso.
Agente do ICMBio no Amapá foi condenado por ameaças
Orleans Silva Morais, agente temporário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no Parque Nacional do Cabo Orange (AP) desde setembro de 2023, foi condenado a um mês de prisão em regime semiaberto por ameaçar sua ex-companheira em 2019.
No regime semiaberto, o detento pode passar a noite na prisão, mas tem a liberdade de sair durante o dia para trabalhar ou estudar.
O mandado de prisão foi emitido em maio de 2024 e, conforme a Vara de Execução Penal de Macapá, ainda está válido.
O advogado de Morais, José Reinaldo Soares, afirmou desconhecer a existência do mandado de prisão.
Assistente de instituto federal de Rondônia foi condenado por conduzir sob a influência de álcool.
Assistente administrativo no Instituto Federal de Rondônia (IFRO) desde 2011, Alecsandro de Goes Guedes foi sentenciado, em novembro de 2024, a sete meses e 25 dias de detenção em regime semiaberto por dirigir sob a influência de álcool.
A Vara de Execuções Penais de Porto Velho informou que o mandado de prisão contra Guedes continua ativo. O Tribunal de Justiça de Rondônia não fez declarações sobre o caso.
O que ocorre quando um servidor público enfrenta um mandado de prisão?
A demissão é automática?
Não necessariamente. O início de uma investigação ou uma condenação por um delito não resulta automaticamente na destituição do cargo público.
Para que isso ocorra, um julgamento precisa ser realizado, onde o juiz expresse uma decisão clara, levando em conta a gravidade do crime e sua conexão com as atribuições do servidor, esclarece Cristina Braga, advogada especializada em questões de servidores públicos e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Nos casos de crimes como tortura ou violência de gênero, a legislação determina a perda do cargo de forma automática, de acordo com Braga.
O Código Penal também prevê a destituição do cargo caso o servidor seja condenado a uma pena superior a um ano por crimes cometidos com abuso de autoridade ou violação de deveres relacionados à administração pública; ou superior a quatro anos em outros tipos de crimes.
Além da demissão do serviço público, servidores podem enfrentar outras sanções, como advertência, suspensão por até 90 dias e cassação de aposentadoria.
O que um órgão público pode realizar?
O órgão público tem a capacidade de iniciar uma investigação administrativa independentemente do andamento do processo criminal.
Mesmo em situações onde há inadimplência de pensão alimentícia, se essa falta comprometer a moralidade da administração ou impactar a imagem do serviço público, um processo disciplinar pode ser instaurado. É importante notar que a legislação permite o desconto da pensão diretamente na folha de pagamento do servidor.
Conforme apurou o g1, há servidores entre os procurados pela Justiça.
Os mandados de prisão podem ser acessados por qualquer pessoa no portal do BNMP de duas maneiras: individualmente, por meio de uma busca pelo nome do procurado (ou outros dados pessoais, como CPF), ou pelo número do processo; ou através de uma API (sigla em inglês para Application Programming Interface – Interface de Programação de Aplicações), um sistema que possibilita o download de dados de múltiplos mandados sem a necessidade de buscas individuais (o BNMP possui mais de 300 mil mandados de prisão).
Mandato de prisão emitido contra Carlos Jose de Figueiredo no BNMP. — Imagem: Arte g1
No total, foram mencionados os oito casos destacados nesta reportagem.